Por Nayara Oliveira
Hoje, enquanto escrevo, penso que eu e você que lê, estamos frente a impotência de muitos desejos e diante muitos medos. Por isso, recorro a arte, para enfrentar um pouco a vida. Assim, empresto de Drummond de Andrade o trecho que diz “tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”. Uso esse “exagero” refletindo sobre meu lugar no mundo, minha força e minhas impossibilidades. Sinto, às vezes, que poderia ter muitas e muitas outras mãos, um coração maior pra caber mais alegrias e dar conta das dores, que houvesse mais horas no meu dia pro tanto que penso, sinto e quero. Tenho apenas duas mãos e o desejo de transformar o mundo. Agora, parece até que sai do poema para os desenhos em quadrinhos onde me imagino e me transformo naquela super-heroína que salva o dia.
Essa quarentena parece estar escancarando o que dissemos uns aos outros, independente da crença, que o amanhã não nos pertence. E como e o que fazer com o hoje, com o tanto de não saber e preocupações? Desde a vontade de sair de casa, até a de proteger dentro de um lugar bem, mas bem guardadinho, as pessoas que a gente ama, proteger da doença, do medo, da fome, do frio, da falta de emprego, e por aí vai, cada um, com seu mundo inteiro particular.
O que fazer com nossas apenas duas mãos e o sentimento do mundo? Nem o Carlos, dono do poema, nem eu, temos boas respostas… pois estamos diante de uma situação nunca antes vivida, para aprendermos com o passado a enfrentar o presente.
Temos mudado nosso jeito de estar com o outro e conosco em todas as esferas, e nos atendimentos isso também está vigorando. Aquele abraço apertado depois da confiança de partilhar um momento difícil de sua vida, virou gesto em vídeo. Conversas que dependem do sinal telefônico, áudios cheios de afetos, dúvidas do que fazer com o tempo que já não gastamos mais no transporte público, como ensinar coisas da escola que já nem se lembra mais, ou outros novos desconhecidos ou antes experimentado.
O que está ao alcance das minhas mãos (e agora literalmente, rs) tem sido ouvir as aflições, a singularidade de suas histórias, acolher e estar, um dia de cada vez, juntos. Não sabemos mesmo o que virá amanhã, mas estamos pensando juntas e juntos maneiras de como retomar, inventar e reinventar as forças para suportar e estar no hoje. O que estamos ativamente fazendo, com os recursos e possibilidades que temos para informar e proteger quem amamos. O uso da máscara, por exemplo, é uma metáfora bonita sobre, quando a uso, protejo o outro, se o outro também usa, ele me protege. Ou seja, juntos, mesmo que distantes, somos mais fortes. Sinto isso, diariamente, quando mesmo sem respostas, sentimos que não estamos sozinhos, e é isso também que recebo das famílias.
Nayara Oliveira é Psicóloga do Plano de Ação Familiar (PAF).