Falar sobre racismo não é apenas uma necessidade adulta; é uma conversa fundamental que precisa começar desde a infância. Ao abordar o tema do racismo de maneira sensível e adequada para cada idade, podemos ajudar a formar uma geração mais consciente e justa. Este artigo explora como pais, educadores e a sociedade podem engajar crianças e adolescentes para uma educação antirracista.
Quando começar a falar sobre racismo para as crianças e adolescentes?
A idade ideal para iniciar conversas sobre racismo é tão cedo quanto possível. Crianças já percebem diferenças raciais antes mesmo de entrarem na escola. Discussões sobre diversidade e inclusão devem começar no momento em que crianças começam a observar e comentar sobre essas diferenças. Começar cedo é fundamental porque ajuda a formar uma base de empatia e compreensão antes que preconceitos possam se enraizar.
A pedagoga do Polo Centro, Lualinda Toledo, destacou as nuances dessas conversas iniciais:
“Falar sobre o racismo é difícil, mas necessário, assim como falar de sexualidade. Se você não instruir sobre sexualidade, a criança ou o jovem pode ser abusado. O mesmo vale para o racismo; a criança precisa saber se defender dessas situações que podem causar traumas pelo resto da vida. É importante que a família entenda isso e esteja envolvida na conversa.”
A importância da educação antirracista desde a infância
Falar sobre racismo desde a infância é essencial para criar uma sociedade mais justa e igualitária. Este diálogo precoce pode ter um impacto profundo no desenvolvimento das crianças, ajudando a moldar suas atitudes e comportamentos em relação à diversidade e inclusão.
As crianças são influenciadas por tudo ao seu redor, incluindo atitudes e comportamentos racistas que podem ser observados em casa, na escola ou na mídia. Ao falar sobre racismo, os pais e educadores podem corrigir e prevenir a formação de preconceitos. Ensinar as crianças a reconhecer e questionar comportamentos e estereótipos racistas desde cedo pode reduzir a propagação do racismo na sociedade.
Para a pedagoga Paloma, do Polo Zona Norte, os danos que o racismo causa são gigantescos. “Falar sobre essa temática é uma maneira de assegurar uma educação que valorize a diversidade, construção e aceitação de identidade e, acima de tudo, uma geração que supere o racismo e a desigualdade com informação.”
As consequências do racismo
O Núcleo Ciência Pela Infância lançou um estudo sobre os impactos do racismo no desenvolvimento das crianças. Intitulada “Racismo, Educação Infantil e Desenvolvimento na Primeira Infância”, a publicação apresenta dados sobre as consequências do racismo vivenciado na infância, especialmente no ambiente escolar.
De acordo com a pesquisa, crianças vítimas de racismo enfrentam diversos problemas, como rejeição da própria imagem, baixa autoestima, dificuldade para desenvolver autoconfiança, problemas de socialização e inibição comportamental. As crianças também encontram restrições para desenvolver sua capacidade intelectual e são expostas a estresse tóxico, o que pode levar ao desenvolvimento de doenças crônicas.
Para crianças de comunidades racialmente marginalizadas, falar sobre racismo pode ser uma forma poderosa de fortalecer a autoestima. Entender que as discriminações que enfrentam não são culpa delas, mas sim resultado de injustiças históricas e sociais, ajuda a proteger sua saúde mental e emocional. Além disso, conhecer figuras históricas e contemporâneas de sua própria raça que fizeram contribuições significativas pode ser inspirador e motivador.
A realidade do racismo no Brasil
Lualinda reforça a necessidade de discutir racismo desde cedo, destacando a gravidade e as consequências do racismo no Brasil: “Para mim, os avanços não são tão significativos, porque o racismo ainda mata no Brasil. Mata de fome, o racismo encarcera, o racismo nega direitos.”
Segundo o estudo “Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência”, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ao atingir a adolescência, a partir dos 15 anos, um jovem preto no Brasil enfrenta um risco quase três vezes maior de ser assassinado em comparação com um jovem branco.
A pesquisa evidencia que a questão racial está diretamente vinculada ao risco de mortalidade juvenil no país. A taxa de mortalidade entre a juventude preta é de 86,34 para cada 100 mil pessoas, enquanto entre os jovens brancos essa taxa cai para 31,89 por 100 mil.
Ela aponta que a alta representatividade negra em comunidades marginalizadas e prisões reflete falhas nas políticas atuais: “Nós somos grande maioria nas comunidades, nas favelas, nos presídios. Então, enquanto a gente ainda tiver que discutir sobre racismo, é sinal que essa política não está funcionando efetivamente.” Esta perspectiva ressalta a urgência de abordagens educacionais que confrontam o racismo desde a infância, preparando as novas gerações para reconhecer e combater essas injustiças sistêmicas.
Como promover a educação antirracista para crianças e adolescentes
Crianças são capazes de perceber diferenças raciais desde muito pequenas. É essencial que essas observações sejam acompanhadas de discussões abertas sobre diversidade e igualdade. À medida que as crianças amadurecem, sua percepção sobre o mundo se desenvolve, mas é sempre apropriado iniciar conversas sobre igualdade, justiça e racismo.
Para Paloma, incluir referências de pessoas negras é essencial para promover uma educação antirracista.
“Ao incorporar trabalhos de indivíduos negros e adotar uma abordagem ativa, proporcionamos às crianças e adolescentes a oportunidade de conhecer e valorizar as contribuições significativas dessas pessoas para a sociedade. Essa visibilidade é crucial para construir uma educação mais justa e inclusiva,” afirma a pedagoga.
Aqui estão algumas estratégias para abordar esses temas com crianças e adolescentes de diferentes idades:
Para crianças menores de 5 anos:
Neste estágio inicial, as crianças começam a notar e comentar sobre as diferenças entre as pessoas. Você pode aproveitar estas observações para estabelecer uma base sólida em sua visão de mundo.
- Utilize termos simples e explique que, embora as pessoas sejam diferentes, todos compartilhamos semelhanças e devemos celebrar cada individualidade. Incentive perguntas e esteja disponível para discutir qualquer curiosidade que elas tenham, mostrando que é um tema aberto e importante.
Para crianças de 6 a 11 anos:
Essa faixa etária é mais capaz de expressar seus sentimentos e compreender conceitos mais complexos. Inicie perguntando o que já sabem ou ouviram na escola ou na mídia e use isso como ponto de partida para aprofundar a discussão.
- Mostre interesse pelas suas interações diárias e pelos conteúdos que consomem online, e guie-as para reconhecer e questionar estereótipos e preconceitos raciais que possam encontrar.
Para adolescentes acima de 12 anos:
Adolescentes têm a capacidade de entender conceitos abstratos e são frequentemente mais conscientes do mundo ao seu redor. Descubra o que eles sabem sobre racismo e suas próprias experiências com discriminação.
- Mantenha a conversa fluindo, fazendo perguntas que desafiem seus pontos de vista e os incentivem a pensar criticamente. Encoraje-os a se engajar em ativismos, seja nas redes sociais ou em outras plataformas, como uma forma de responder e interagir com questões raciais de maneira construtiva.
Utilizar livros e materiais didáticos com representatividade, contar histórias que celebrem a diversidade e discutir abertamente as injustiças históricas são algumas das estratégias recomendadas.
O trabalho no Instituto C
No Instituto C, o acesso à literatura inclusiva é uma das estratégias chave. “As crianças têm acesso a livros do Emicida, matérias sobre os filhos do Lázaro Ramos. Livros de pessoas com quem elas possam se identificar”, explica Lualinda. Este acesso não só enriquece a educação formal, mas também ajuda a fortalecer o sentimento de pertencimento e identidade das crianças negras.
Paloma destaca a importância de abordar o racismo de maneira apropriada para diferentes faixas etárias, garantindo que tanto crianças quanto adolescentes compreendam a seriedade do problema e se sintam empoderados para agir contra ele:
“Durante os atendimentos, utilizo vídeos, leio histórias e trabalho com jogos para promover a construção e aceitação da identidade das crianças. Envolvo também os familiares, que compartilham informações sobre suas descendências.
Sempre enfatizo que o racismo é um crime e, de maneira lúdica, mostro às crianças os impactos negativos dessa prática. Para os adolescentes, crio um ambiente acolhedor e de confiança, onde eles podem debater e refletir sobre o tema com mais profundidade.”
Sobre as rodas de conversa com as famílias, Lualinda comenta que são abordados diversos temas relevantes, discutindo direitos e deveres, especialmente no contexto da população negra.
“Por exemplo, ao falarmos sobre direitos fundamentais e a Constituição Federal, destacamos quem tem menos acesso a esses direitos, evidenciando que os negros enfrentam maiores dificuldades. Mostramos que existe uma exclusão persistente, um ‘não lugar’, que afeta profundamente as famílias negras.
O tema educação, discutimos a baixa permanência de crianças e adolescentes negros na escola, a evasão precoce e a falta de acesso à universidade, enfatizando que esses são espaços de pertencimento que precisam ser ocupados.”
Desafios ao abordar o racismo
Conversar sobre racismo com jovens apresenta vários desafios. Muitos educadores e pais sentem-se despreparados ou receosos de discutir temas de discriminação racial por medo de dizer algo errado.
Além disso, pode ser difícil encontrar o equilíbrio entre expor as realidades duras do racismo e proteger a inocência da infância. Para superar esses desafios e promover uma educação antirracista, é essencial usar recursos didáticos adequados, buscar formações continuadas sobre diversidade e criar um ambiente de diálogo aberto e seguro.
“E conforme vamos falando sobre racismo com as crianças, a gente vai entendendo que esse lugar de não pertencimento ainda é muito forte, principalmente nas escolas. É um trabalho de formiguinha”, finaliza Lualinda.