É com frequência que escutamos essa preocupação das mães de crianças de 0 a 6 anos que são acompanhadas pelo Projeto Primeira Infância. “Mas o que será que acontece? Por que será que esses filhos (danados!) não fazem xixi e cocô na privada?”. Tal preocupação é mesmo pertinente quando se trata de crianças na faixa etária na qual o desfralde é esperado (18 a 24 meses), já que ele é um dos marcos que podemos utilizar como parâmetro para avaliar o desenvolvimento infantil.
Antes de partir para uma orientação a este respeito, em muitos casos, uma escuta mais atenta revela que o desfralde é, para uma grande maioria, compreendido como algo inato, que depende única e exclusivamente do desenvolvimento orgânico do bebê e de sua “vontade”. Isso pode acontecer, entre outros motivos, porque os “passos” para que uma criança desenvolva essa “habilidade” são tão sutis, quase imperceptíveis, que apenas um observador mais cuidadoso consegue notá-los.
Assim, o primeiro ponto a ser trabalhado é a noção de que o desfralde é um processo que só pode ser compreendido na articulação com outros aspectos do desenvolvimento infantil, todos eles em direção à autonomia da criança. O desfralde, juntamente com outras etapas do desenvolvimento infantil, funciona como ponto de referência para a inserção da criança na vida coletiva, afinal de contas, na cultura ocidental atual espera-se que as necessidades sejam feitas na privacidade de um banheiro e não em qualquer lugar, a qualquer momento, como acontece com as crianças que usam fraldas.
Vale resgatar que, a partir do primeiro ano de vida em diante, embora não apenas, a autonomia do bebê em relação a seus pais e principais cuidadores começa a ficar visível: ele já sustenta o próprio corpo, arrisca seus primeiros passos ou anda com certa desenvoltura, já não depende exclusivamente da amamentação para se alimentar e é capaz de fazer seu desejo ser compreendido através dos dedinhos que apontam e/ ou de algumas (ou muitas) palavras que pronunciam.
Todavia, todas essas conquistas também fizeram parte de um percurso que necessitou de adultos interessados em oferecer os recursos necessários para que elas fossem alcançadas e de etapas que se sucederam, nem sempre de forma cronológica. Por exemplo, para que os primeiros passos acontecessem, o bebê precisou primeiro sustentar a cabeça, sentar sem apoio, se esforçar para se virar/ rolar sozinho, se arrastar, engatinhar. Ou para aprender a falar de forma compreensível, foi necessário um adulto que o interpretou, numa conversa que à princípio poderia parecer um monólogo, mas que através do olhar, do sorriso e do balbucio do bebê vão contando para a gente que, na realidade, havia diálogo desde o início.
Para que o desfralde aconteça, é preciso então que essas outras áreas também estejam caminhando e é imprescindível que o bebê, através da sua relação com o mundo, vá se dando conta de que é um ser separado de seus cuidadores, se reconhecendo enquanto um “eu”.
Quando ele já consegue se reconhecer como uma unidade, fato que podemos contemplar quando vemos um bebê se reconhecer no espelho, ou quando o ouvimos dizer que tal brinquedo “é meu” ao invés de “ é do João”, podemos observar também sinais de que ele já possui alguns recursos para iniciar seu desfralde.
Nesse sentido é importante apontar que esse processo depende de uma participação ativa tanto da criança quanto dos adultos por ela responsáveis, como os pais e os educadores nas creches. Assim, do ponto de vista prático, considerando o desenvolvimento prévio da criança, quais seriam os comportamentos das crianças entre os 18 e 24 meses que nos contam que a vida sem as fraldas se aproxima?! Que perguntas os adultos podem se fazer para ajudá-los na observação e estimulação para contribuir para o sucesso deste processo?
Abaixo listamos algumas delas:
- O momento das trocas de fralda costuma ser um momento prazeroso de interação entre o adulto e a criança? Há brincadeiras no trocador?
- O adulto incentiva a criança, convidando-a a participar de alguma forma, por exemplo propondo à criança que jogue a fralda no lixo depois da troca?
- A criança demonstra curiosidade em ver outras pessoas no banheiro (irmãos mais velhos, colegas de creche), brinca de trocar a fralda de bonecas? É convidada a sentar no penico/ privada mesmo que o adulto já saiba que as chances de fazer suas necessidades ali são remotas? Pode dar a descarga e dizer tchau as fezes?
- A criança sabe identificar e nomear as partes de seu próprio corpo? Tem uma noção de onde sai o cocô e de onde sai o xixi? Onde se formam?
- A criança sabe identificar quando ela sujou as fraldas? Ela avisa de alguma forma?
- Ela é respeitada pelo adulto neste momento (sem piadas ou cobranças)?
- A criança consegue identificar quando está fazendo suas necessidades? Sua privacidade é respeitada neste momento?
- Se ela ainda não é capaz de reconhecer quando está fazendo, o adulto é capaz de ajudá-la a identificar, através de perguntas como: “Você tá fazendo careta de força, está com vontade de ir ao banheiro? ”, “Você está sentindo desconfortos em sua barriga”?
- Quando o adulto percebe que a criança está com vontade ele a incentiva a ir ao banheiro?
- O momento de espera pelo xixi/ cocô na privada/ penico é um momento prazeroso (com histórias e conversas) ou é um momento tenso (com pressa, expectativas e cobranças)?
Para finalizar, é preciso reforçar que, quando se trata do desenvolvimento infantil, somos todos responsáveis. Isso significa que o estabelecimento de relações saudáveis com os demais responsáveis pelos cuidados com a criança ao longo de seu desenvolvimento é fundamental: parcerias entre pais e educadores, educadores e profissionais da saúde e assim por diante garantem que todos os envolvidos no bem estar daquela criança estejam alinhados e se apoiando mutuamente formando uma rede que só traz benefícios aos futuros cidadãos. Já pensou em como você pode contribuir?!
Aqui no Instituto C, oferecemos uma roda de conversa sobre desfraldamento para os responsáveis de crianças que estejam iniciando esse processo ou crianças que vem apresentando alguma dificuldade relacionada a este tema. A roda funciona como um espaço para a reflexão e acolhimento das questões apresentadas por cada responsável, bem como proporciona a troca de experiências e informações entre os participantes ajudando-os a identificar que ações podem exercer diante dos obstáculos que atravessam no processo do desfralde, levando sempre em consideração sua dinâmica familiar e as particularidades de cada criança. Após a participação nas rodas, essa temática continua sendo acompanhada através dos atendimentos individuais que fazemos com os responsáveis ou com os responsáveis e a criança, até que o desfralde não seja mais uma demanda daquela família!
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