Adolescentes: a importância de um olhar integral também aos irmãos das crianças com deficiência
“Com essa percepção, temos desenvolvido um trabalho com um olhar mais atento aos adolescentes das nossas famílias. Observamos que pouco era trazido sobre eles pelas mães, e quando mencionados era sempre como rede de apoio à mãe e ao irmão(a) com diagnóstico. Ao realizar atendimento com o adolescente, parando para escutá-lo, mostrando interesse por ele e não pela criança com o diagnóstico, enxergamos muitas questões, como a baixa autoestima, faltas escolares excessivas com prejuízo na aprendizagem escolar, por exemplo, nos levando a percepção, de que, por vezes, esses adolescentes ocupam um não lugar, ficando em segundo plano”, introduz Lualinda Toledo, pedagoga do projeto.
Adolescentes
Questões psicológicas, educativas e até físicas acabam atingindo esses adolescentes e passam despercebidas pela família e sem o olhar dos serviços e órgãos de proteção. Daí, a necessidade de um olhar atento e integral a todos que compõem a família e cercam àquela criança com diagnóstico. O polo centro (com o programa PAF – Plano De Ação Familiar) é considerado o primeiro projeto do Instituto C e, desde 2012, atende famílias de crianças que têm alguma doença grave ou crônica e que vivem em situação de vulnerabilidade social. Com o objetivo de auxiliar as famílias na superação das dificuldades e construção da autonomia, a equipe oferece atendimento multidisciplinar nas áreas de renda, serviço social, educação, nutrição e psicologia.
Um dos destaques e diferenciais dos atendimentos é o olhar atento das técnicas a todos os integrantes da família, e não apenas na criança com diagnóstico, incluindo os adolescentes que, muitas vezes, acabam ficando em segundo plano – ocupando o lugar de “irmão mais velho”, “cuidador” ou até mesmo “responsável”.
Um olhar multidisciplinar para toda a família
“Todas as técnicas conseguiram perceber durante os atendimentos alguma questão em torno desse jovem. A partir desse olhar multidisciplinar pudemos ir percebendo a necessidade de mais cuidado para com esses adolescentes”, conta Lualinda. Isso acontece porque, muitas vezes, essas mães (que também são em sua maioria solos) voltam a atenção para a criança com diagnóstico e, então, o jovem se vê em um lugar de responsável pelo irmão. Ainda nesse contexto, estando em situação de vulnerabilidade social, também existe a necessidade de ele começar a trabalhar cedo para auxiliar na renda dentro de casa.
A psicóloga Claudete Marcolino afirma que esse adolescente, irmão da criança com diagnóstico, muitas vezes se coloca em um lugar de responsável pelo outro. “E isso não aparece verbalizado no discurso durante os atendimentos porque a família não tem noção desse lugar porque ele é naturalizado. É o jovem que faz a leitura da necessidade disso, seja pela ausência de uma função paterna ou pela necessidade de uma rede de apoio que muitas vezes é ausente”, explica.
“São múltiplas questões que vão atravessando esse lugar do adolescente enquanto irmão que, muitas vezes passa despercebido pela família, e aí nós, enquanto equipe multidisciplinar, também temos esse olhar para ele” – Claudete Marcolino
Claudete completa que tudo isso também pode afetar no distanciamento da adolescente com a mãe e no vínculo afetivo . “A jovem se afasta da função materna porque esse lugar é direcionado para a outra criança, e acaba sendo negligenciado a ela. Em alguns casos, vemos meninas que engravidam precocemente, que desejam sair de casa ou que se relacionam afetivamente de forma imatura justamente para sair desse conflito familiar e do lugar de cuidados assumidos ”, diz a psicóloga.
Áreas de atendimentos
Esse cenário pode ser percebido em diferentes áreas dos atendimentos e em diferentes níveis. “Na área de renda, por exemplo, nós observamos que, muitas vezes, o pai se ausenta de suas obrigações, a situação financeira se complica com a chegada de uma criança com diagnóstico e o adolescente se vê na obrigação de ir trabalhar para auxiliar a família – e até abrir mão do que pode ser dele também”, cita Lualinda.
Já na área da educação, o apagamento é percebido dentro da escola. “Por vezes, ao ligar na escola, eu consigo saber a situação do irmão com o diagnóstico, mas do jovem não”, explica a pedagoga. Lualinda observa também que em muitas famílias o próprio adolescente não quer estudar no mesmo horário do irmão porque ele já sabe que será acionado pela escola. “Ele não tem identidade naquele espaço, ele é o irmão da criança que tem deficiência”, completa. Isso sem falar nas questões de falta escolar que prejudicam o andamento da educação.
Na área da psicologia, então, os desdobramentos são ainda mais expressivos. “O que chega é um adolescente com baixa autoestima, falta de cuidado e se sentindo menos valorizado pela família“, conta Claudete – que percebe também que, as queixas em sua maioria se dão referente ao comportamento de agressividade do adolescente. “E aí a gente observa que isso é um comportamento intrínseco a esse lugar de, por exemplo, falar mais firme com os irmãos e de estar em um lugar de autoridade que não foi lhe dado, mas foi interpretado como sendo necessário”, completa.
Os impactos também atingem a nutrição do jovem, já que a mãe centraliza o alimento um pouco mais saudável para garantir que isso vá para a criança com deficiência, na área social, percebemos que a Rede, não presta um atendimento extensivo aos demais integrantes da família. “Faltam políticas públicas que sejam agentes facilitadores dessas redes assistenciais e da saúde que possam ser um mediador entre os serviços que atende a família, por exemplo“, afirma Claudete.
Estratégias para além desse olhar
A partir de todo esse contexto, é possível compreender a urgência e a importância de se olhar para esses adolescentes. A psicóloga reforça que é, justamente, nessa fase da vida onde são construídos muitos comportamentos futuros. “A adolescência já é uma fase de transição, o jovem está se estabelecendo e se reconhece em seus lugares. Por isso, algo que eu venho pesquisando é o não lugar desse adolescente na família com crianças com deficiência. A adolescência, de maneira geral, já é uma fase de busca de um lugar, de afirmação da identidade. Então, o jovem que é o irmão de uma criança que tem diagnóstico, passa por um processo ainda mais adoecedor emocionalmente porque ele fica em um limbo identitário, como se ele, de fato, não pertencesse a essa família porque todos ficam em torno dos cuidados da criança. E, a sequela disso pode ser permanente, quando não cuidado, pode vir a se manifestar na fase adulta”, explica Claudete.
Pensando nisso tudo, o Instituto C tem pensado e colocado em prática algumas estratégias que visam também o atendimento dos adolescentes – já que seus direitos são garantidos, mas estão negligenciados. “Começamos com uma roda de conversa aberta para uma primeira aproximação com esses jovens, explicando o projeto e nos colocando à disposição para a escuta”, conta.
“Um jovem que, não se reconhece em sua identidade e não tem firmeza na sua autoestima, pode vir a ter dificuldades para fazer o enfrentamento das adversidades em sua vida”– Claudete Marcolino
“A conversa se desdobrou em atendimento em grupo com estagiários da Psicologia para todos os adolescentes das famílias, fornecendo um auxílio financeiro para viabilizar que todos estejam presentes”, celebra Claudete. Com essa escuta técnica, mais questões também apareceram, como a necessidade de psicoterapia individual para alguns adolescentes com fragilidades emocionais mais críticas, encaminhamentos para oftalmologista, dentista e outras especialidades. “A partir disso, estamos construindo outras estratégias centradas para esses adolescentes, de um cuidado ainda mais integral para esses jovens do Instituto C”, finaliza a psicóloga.