Por Vera Oliveira
Essa semana, após receber uma ligação da minha mãe que – no meio da nossa conversa – me questionou sobre o pai de um amigo meu, afinal de contas, ela só ouvia falar da mãe dele, me peguei pensando sobre uma questão que atravessa constantemente o nosso trabalho no Instituto C, que é o cuidado como atribuição feminina.
Antes que eu falasse qualquer coisa, minha mãe completou seu pensamento dizendo que era assim mesmo, que normalmente as mães que eram responsáveis pelos cuidados dentro de casa. História que também se repetia em casa, minha mãe sempre foi a principal provedora dos cuidados que tive e tudo isso parecia um tanto natural pra mim e não estava claro o impacto que este fato tinha na autonomia de milhares de mulheres.
Nestes oito anos de Instituto C, essa realidade ficou escancarada com o atendimento das famílias. Nossos dados reforçam dados internacionais como o relatório Progresso das Mulheres no Mundo (2019-2020) divulgado pela ONU no ano passado que mostra que as mulheres desempenham três vezes mais tarefas domésticas e trabalhos de cuidados de parentes, o que prejudica a capacidade das mulheres de ter a própria renda e aumenta a desigualdade social (número que é ainda maior quando elas se casam e têm filhos). Outro dado aponta que as mulheres são a maioria dos que criam filhos sozinhos, alcançando 84,3%. Aqui no Instituto C, as mulheres são as grandes representantes da família, sendo em 95% dos casos a responsável da família nos atendimentos. É muito incomum recebermos pais como responsáveis pela família e nas poucas vezes que isso acontece, a mãe também está ao lado, dividindo com o pai o cuidado com os filhos.
Penso que em certa parcela da população esse binômio vem sendo resolvido com uma maior – e necessária – participação dos pais e é exatamente essa situação que vivo na minha casa, com tarefas divididas entre eu e meu marido, mas esse é um assunto que não podemos fechar os olhos. No Instituto C tentamos trazer nos atendimentos essa reflexão para as famílias e a resposta vem em coro de que estão sobrecarregadas, incluindo as mães que preferem fazer tudo sozinha por opção. Acredito que esse seja um dos nossos papéis, levantar essa bandeira de que o cuidado é responsabilidade de todos, do homem e da mulher, dos pais e das mães e que assim a gente possa contribuir inclusive para o pleno desenvolvimento dos nossos filhos, com exemplos nos nossos trabalhos e dentro de casa, afinal de contas, cuidar é responsabilidade de todos.
Vera Oliveira é fundadora e gerente geral do Instituto C