O empreendedorismo entre as mulheres da periferia cresce cada vez mais e mostra o quanto esse formato de trabalho tem transformado as famílias. O público feminino aposta em diferentes áreas para criar seu próprio negócio, especialmente nas regiões em que vivem, onde as demandas por serviços passam pelos próprios bairros. Só em 2024, as mulheres representavam 34% de quem empreendia em setores como serviços, comércio e tecnologia no país todo. Já nas favelas, as mulheres lideram 60% dos empreendimentos, de acordo com pesquisa do Investe Favela.
Para as mães, o empreendedorismo traz a oportunidade de serem donas do próprio horário de trabalho, o que é importante especialmente para as que cuidam de crianças atípicas. No Instituto C, muitas mães empreendedoras dividem a vida entre o cuidado com os filhos e o trabalho de forma autônoma. Apesar dos obstáculos, elas conquistam a própria independência financeira e também resgatam a autoestima a partir do que fazem em casa. Com isso, a família também se torna mais fortalecida a partir dos acessos que a mãe passa a ter.
Desafios de empreender nas periferias
Mesmo com o crescimento do empreendedorismo entre as mulheres das periferias, muitas delas ainda encontram barreiras que dificultam o crescimento profissional. Segundo nossas analistas de renda Carol e Giovana, uma das maiores dificuldades enfrentadas por elas é o acesso limitado a recursos financeiros, principalmente para as empreendedoras nas áreas de alimentos e beleza, que precisam investir para ter resultados positivos.
A falta de acesso ao conhecimento necessário para regularizar um negócio também é algo que impede o crescimento dessas mulheres. Por isso, um dos nossos trabalhos é levar informação para que elas conheçam seus direitos enquanto empreendedoras, seja por meio da abertura do MEI ou outras iniciativas do poder público.
Além disso, em áreas periféricas o empreendedorismo é muito presente, o que reflete também em uma competição acirrada entre os empreendedores. Isso exige que as mulheres busquem novas formas de desenvolver seus trabalhos para se destacar nessa “vitrine” de negócios e conseguir atingir seus públicos.
Outro ponto importante a ser lembrado é que muitas mães empreendem por necessidade, nem sempre por vontade, e isso faz com que elas não se enxerguem como empreendedoras. Essa necessidade vem de um lugar onde elas precisam de uma renda e ao mesmo tempo de flexibilidade. “Não é de um viés empreendedor, é de um viés da vulnerabilidade”, explica Giovana.
Geração de renda no IC
Nossa área de renda é a responsável por ouvir essas mães empreendedoras, e muitas histórias boas passam por aqui. Os negócios vão desde a venda de bolos, até a criação de brinquedos pedagógicos por meio do artesanato e a decoração de unhas como nail designer. Muitas dessas mulheres conseguem transformar um hobby em um trabalho remunerado.
“O trabalho da renda no Instituto C é levantar com a família estratégias e possibilidades sobre saúde financeira e ampliação de renda”, explica Giovana Santos, analista de renda do Instituto. Com a orientação das nossas técnicas, as mães compartilham suas experiências e também recebem orientação sobre a relação do MEI, benefícios de transferência de renda, organização e ingresso em cursos técnicos e ensino superior.
Para a Carol Fontes, também analista de renda do IC, essa vontade de empreender e se mobilizar para fazer a sua própria renda, é por conta das responsabilidades que elas têm de uma rotina que elas precisam de flexibilidade. Isso porque essas mulheres muitas das vezes são as únicas pessoas que podem cuidar de outras pessoas das suas famílias.
Mães que viram no empreendedorismo uma oportunidade
A Nathalia Stephanie mora com a filha e é um exemplo de mulher que uniu um sonho com o trabalho. Ela fez um curso de manicure no IC (em parceria com a Acciona) e, a partir dele, despertou um olhar para essa área que hoje é a sua paixão e também sua fonte de renda. Em meio a um mercado com muitas profissionais, a Nathalia precisou buscar um diferencial para se conectar com as clientes, que foi por meio do atendimento à domicílio. Assim, ela conseguiu chegar a mais clientes no bairro em que mora, até o momento que está hoje, onde atende no próprio estúdio em sua casa e também dá cursos.
Ao elevar a autoestima de outras mulheres, a Nath enxergou na área da beleza uma possibilidade de transformar a vida de sua família e, assim, também mudar a forma que ela se enxerga como mulher. “Às vezes a gente pensa que é uma unha, mas é sempre mais que isso. A minha profissão me deu fé e esperança, e eu levo isso pras minhas clientes”, reforça.


Assim como Nathalia, a Fátima Regina também mora com a filha e encontrou no cuidado com a beleza das mulheres uma forma de empreender como cabeleireira. Mas, durante a pandemia ela se viu em um cenário onde precisava se reinventar, já que os salões precisaram fechar e o trabalho foi diminuindo. Foi assim que ela começou um novo negócio: a venda de livros por meio de uma plataforma digital.
A Fátima sempre gostou de ler e, como os irmãos também empreendem vendendo livros, ela pensou que essa seria uma ótima opção para complementar a renda. Hoje, ela tem um acervo com cerca de 2.000 livros – todos recebidos por doação – e considera que começar a vender livros trouxe para ela novas perspectivas de conhecimento, já que ela precisa saber um pouco de cada assunto.
Novas perspectivas de empreendedorismo
O conhecimento e a vontade de criar coisas novas foi o que motivou a Vanessa Ferreira a fazer do artesanato sua fonte de renda. Vanessa é mãe de dois filhos e sempre gostou de usar a criatividade para fazer itens que vão desde bolos decorativos até brinquedos pedagógicos. Em seu ateliê em casa, ela consegue conciliar o trabalho com a criação dos pequenos.
Além dos brinquedos, hoje a Vanessa também vende mini donuts que ajudam a ter uma renda extra para contar. Ela considera que fazer as artes também é uma forma de ocupar a mente com algo que gosta e, em contrapartida, também consegue cuidar mais de si. “Nessa hora [que estou trabalhando] não é só a Vanessa mãe das crianças, também consigo ser eu, ter minha utilidade e colocar para fora as ideias”, explica.

Já a Natália Alves é mãe de duas meninas e empreende junto com o marido. Eles vendem roupas e ela também apostou na confecção de bolos e doces para conseguir criar as filhas. Ela sempre gostou de empreendedorismo e diz que sonha em abrir o próprio negócio um dia, para assim conseguir crescer ainda mais.
As vendas fazem parte da sua vida há muitos anos, e hoje ajuda também a ter mais flexibilidade para cuidar das crianças e até mesmo levá-las junto nos dias em que é necessário. No final, as mães atípicas precisam de um trabalho que se adequa à rotina delas e das crianças.

“A sensação é de empoderamento”
O empreendedorismo também tem fortalecido entre essas mães e criado um senso de comunidade que vai além dos negócios. No nosso dia a dia, vemos o quanto elas conseguem trocar experiências, construir uma rede onde consigam se acolher para, assim, crescer ainda mais enquanto empreendedoras.
No Instituto C, muitas mães atendidas lidam com questões na maternidade que envolvem a saúde dos filhos, e acabam se deixando de lado em meio a correria do dia a dia. Ter o próprio negócio dá a elas uma visão de mundo diferente e as faz enxergarem a si mesmas para além dos filhos, mas também como mulheres que também precisam de cuidado. “Muitas das mães atípicas não tem companheiro, então precisam acreditar que o potencial delas vai além e que elas podem viver”, reforça Natalia.
Mesmo com as dificuldades, as mulheres empreendedoras se sentem realizadas e acreditam que esse é um caminho possível para muitas mães. A Fátima reforça isso: “empreender é um abismo, mas para mim é mais importante ter a minha liberdade de tempo e de poder fazer as coisas quando eu quero. Não é fácil, mas vale a pena o custo”.




