Outubro é o mês das crianças, e gostaríamos muito de falar sobre as alegrias da infância durante seu desenvolvimento, mas a realidade ainda está distante de ser a ideal. Mesmo com o cenário que melhorou nos últimos anos, no Brasil, 28,8 milhões de crianças e adolescentes ainda vivem em pobreza multidimensional, e isso é resultado das desigualdades em diferentes áreas como saúde, educação e acesso a lazer, que afetam diretamente suas vidas.
É nesse cenário que trabalhamos com centenas de famílias para que esse número diminua e mais crianças consigam crescer de forma saudável. Nayara Oliveira, psicóloga institucional do Instituto C, reforça que a organização se preocupa com o cuidado das crianças como um todo, passando também pelo bem estar dos cuidadores: “enfrentar as desigualdades na infância é cuidar de forma integral — das crianças, das famílias e, sobretudo, de quem cuida. Nosso trabalho parte da escuta sensível e do fortalecimento das cuidadoras principais, que são, em sua maioria, mães solo e avós que sustentam o cuidado cotidiano”, reforça.
Assim como o Instituto C, o ChildFund Brasil também atua com esse propósito de impulsionar vidas e diminuir as desigualdades. Mauricio Cunha, presidente executivo da organização, reflete o quanto a pobreza afeta a vida das crianças: “a infância é um período decisivo para o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo, e a pobreza compromete esse processo de forma profunda e duradoura”.
Quem atende as crianças no dia a dia, consegue ter ainda mais dimensão do quanto as desigualdades afetam as diferentes áreas da vida delas. Renata Souza é psicóloga do IC, e explica como a falta de recursos pode afetar também o desenvolvimento cognitivo. “Muitas vezes, quando a gente fala de pobreza, são crianças que não têm acesso nem mesmo a escola, não têm acesso a um alimento… Ou seja, ela não vai conseguir se concentrar nos espaços que ela frequenta”, explica.
É preciso ouvir o que as crianças têm a dizer
Uma das questões mais sensíveis em trabalhar com a realidade de crianças em situação de vulnerabilidade, é abordar tópicos que afetam suas vidas sem diminuir suas dores. Esse é um dos trabalhos que a Renata exerce, e ela conta que busca sempre adequar as temáticas à linguagem das crianças, para que elas consigam entender e também tirar suas dúvidas.
Para a Renata, nós, adultos, normalizamos muitas coisas e paramos de questionar, enquanto as crianças são bastante curiosas e sensíveis. Elas sabem o que é justo ou não, e entendem o que são os direitos e deveres. A psicóloga diz que em temas como desigualdade social, por exemplo, é importante abrir o diálogo e ouvir muitas vezes as histórias que elas têm para trazer a respeito delas ou dos colegas.
A educação também é, certamente, uma das ferramentas que nos ajudam a transformar realidades. O ChildFund entende que a educação, junto à proteção e ao apoio familiar amplia horizontes e prepara as crianças para romper ciclos de exclusão e vulnerabilidade. “A educação está presente em nossas metodologias não como um reforço escolar ou na aplicação formal, mas nas atividades de educação financeira, habilidades para a vida, no brincar e no incentivo e prática da leitura”, conta Maurício.
Tudo começa pelas políticas públicas
Apesar dos avanços que já tivemos quando falamos de políticas públicas para famílias em situação de vulnerabilidade social, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para pessoas com deficiência, ainda estamos caminhando em passos lentos para a erradicação da pobreza e a diminuição das desigualdades.
O IC entende que alcançar os direitos é uma das formas de diminuir as barreiras encontradas pelas famílias. Nayara considera que avançamos muito na formulação de programas de proteção e transferência de renda, como por exemplo com a criação da Política Nacional de Cuidados, que promove a corresponsabilização social e entre homens e mulheres pela provisão de cuidados, consideradas as múltiplas desigualdades. Mas ainda é preciso investir na sustentabilidade e no financiamento contínuo das políticas de cuidado e proteção social, de modo que o cuidado deixe de ser uma sobrecarga privada e passe a ser uma infraestrutura pública.
Para o ChildFund, ações como o financiamento adequado de políticas voltadas à infância, especialmente em áreas rurais e periféricas, o fortalecimento da rede de proteção social, com foco na prevenção da violência física, psicológica, sexual e institucional, e no apoio às famílias, devem ser o foco para cuidar das infâncias.
Além disso, o enfrentamento das desigualdades que afetam a infância só é possível quando as políticas públicas reconhecem o cuidado como um direito e uma responsabilidade coletiva.
A responsabilidade coletiva de proteger as crianças
Da mesma forma que o Instituto C e o Childfund Brasil atuam, muitas instituições também trabalham todos os dias para que as crianças consigam se desenvolver sem barreiras, mas com um esforço coletivo, essa missão fica um pouco mais leve. O Poder Público e as organizações sociais são ferramentas importantes para a redução das desigualdades na infância, mas a sociedade civil também é uma aliada necessária e indispensável para garantir os direitos das crianças.
Neste mês das crianças, é importante reforçar o convite para que todos assumam um papel de linha de frente na defesa dos direitos das crianças, afinal, essa é uma responsabilidade coletiva. Essa mobilização pode começar a partir da escuta e participação das crianças e adolescentes nas discussões e da valorização da infância como prioridade. Somente assim faremos com que as próximas gerações vivam da melhor forma possível.