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Direitos

Meio ambiente e infância: precisamos falar sobre justiça climática

As mudanças climáticas têm afetado todo mundo, mas você já parou para pensar como elas têm afetado as crianças? 

O meio ambiente tem passado por momentos difíceis e que acendem um alerta, mas pouco se fala sobre o quanto as crianças são atingidas por tudo isso. Conforme os anos vão passando, elas têm que lidar com eventos extremos que afetam diretamente suas vidas. De acordo com o relatório Save the children, de 2021, as crianças que nasceram no início dessa década enfrentarão 6,8 vezes mais ondas de calor em relação às nascidas em 1960. E o reflexo disso já tem sido visto, por exemplo, no começo deste ano, quando o calor foi tão intenso a ponto de fechar escolas e dificultar o aprendizado dos alunos

Essa é somente uma das questões que são afetadas pelas mudanças climáticas, mas é possível citar uma lista de eventos que afetaram milhares de crianças em situação de vulnerabilidade social, como as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, por exemplo. 

O acesso à natureza também vem se perdendo ao longo dos anos. Com o crescimento da urbanização e das grandes cidades, os espaços verdes têm ficado cada vez mais escassos. É o que avalia também Maria Isabel, especialista em infância e natureza no Instituto Alana: “as casas foram ficando menores, o acesso aos espaços públicos foi diminuindo, foi ficando mais inseguro, foi ficando mais raro e as crianças foram perdendo essas oportunidades de brincar ao ar livre”.

Áreas da vida mais afetadas

O documento “A primeira infância no centro do enfrentamento da crise climática”, elaborado pelo Núcleo Ciência Pela Infância destaca algumas áreas que são as mais afetadas na vida das crianças devido à crise climática. O núcleo divide em sete impactos que as crianças podem sentir: perdas agrícolas e insegurança alimentar, aumento de doenças infecciosas e transmissíveis, perda de moradia e deslocamento forçado, exposição a contaminantes, morte precoce, acesso menor a educação de qualidade e cuidados com a saúde, estresse tóxico e prejuízos à saúde mental.

Além disso, o estudo ainda mostra que as crianças negras, indígenas e as que vivem nas regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas pela crise climática e pela insegurança alimentar. Esse é um ponto que ilustra ainda mais as desigualdades estruturais e como elas afetam as pessoas em situação de vulnerabilidade sempre que há algo de errado com o mundo. 

Diante de todas as notícias que vemos diariamente envolvendo o meio ambiente, muitas crianças podem também se sentirem preocupadas com o futuro, desencadeando ansiedade. Assim como explica Maria Isabel: “muitas crianças já relatam ansiedade, preocupação e uma angústia muito grande. Tanto quando elas estão experienciando eventos extremos, quanto com todas as notícias às quais elas são expostas”. 

Educação ambiental

A educação ambiental é um dos direitos garantidos por lei para os cidadãos. Mesmo que a discussão sobre mudanças climáticas tenha tomado maiores proporções nos últimos anos, conforme vemos nos noticiários, em 1999 a Política Nacional de Educação Ambiental foi instituída, e tem como objetivo o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos.

A educação ambiental também é parte importante do processo de preservação do meio ambiente, especialmente nos anos iniciais escolares, quando as crianças estão aprendendo a lidar com o mundo ao seu redor. Momentos de contato com a natureza, seja por meio de atividades ou no dia a dia são necessários para o desenvolvimento das crianças, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria.

“Essas experiências na infância são fundamentais para nutrir o sentimento de que a gente faz parte dessa grande cadeia de vida. E a gente precisa entender que os impactos que a gente vai ter na natureza dizem respeito à nossa sobrevivência”, explica a especialista do Instituto Alana. 

 

Por isso, é importante que as organizações e o Poder Público estejam atentos e fortaleçam iniciativas de proteção ao meio ambiente e educação ambiental.

Justiça climática e o papel do IC

Para o Instituto C, falar sobre o meio ambiente é também uma forma de buscar a justiça social e mais igualdade para as famílias. Durante os nossos atendimentos em grupo, esse é um tema que buscamos trazer e discutir coletivamente, para escutarmos e entendermos como as mudanças climáticas impactam diretamente a vida delas.

Renata Chiapetta, assistente social e técnica do instituto, explica que as crianças também podem ser agentes de transformação se dermos a elas e seus familiares conhecimento, ferramentas e apoio. E reforça a importância de garantir a justiça climática para pessoas em situação de vulnerabilidade social. 

“A justiça social e a justiça climática estão ligadas. Pois quando uma mãe precisa escolher entre comprar água ou comida para seus filhos, entre “salvar” móveis ou garantir a retirada de todas as crianças de um local, entre arriscar a enviar seus filhos para a escola que está com o teto comprometido, ou perder um benefício de transferência de renda, isso é um problema nosso”. 

 

Por isso, temos como papel fundamental reivindicar os direitos das famílias que já enfrentam diariamente as consequências das mudanças climáticas e, de acordo com Renata, já é possível identificar que as crianças são as mais afetadas. “Secas, enchentes, calor extremo e falta de alimentos não são “problemas do futuro”, são realidades que muitas das famílias que acompanhamos enfrentam hoje”, pontua. Dessa forma, políticas públicas para barrar essas consequências são mais do que necessárias.

O poder público como agente da mudança

Por meio da Política Nacional de Educação Ambiental, ficaram definidas algumas políticas públicas para garantir que os brasileiros tenham acesso à educação ambiental para construir, coletivamente, valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Hoje o Projeto de Lei 2225/2024, propõe a criação do Marco Legal Criança e Natureza, que dispõe de políticas e instrumentos para que todas as crianças e adolescentes possam conhecer, experimentar e criar um vínculo com a natureza. Essa é uma das iniciativas apoiadas por instituições de proteção à infância.

Mas, apesar disso, o Brasil ainda tem muito o que avançar. Maria Isabel analisa que as políticas públicas devem ir além da prevenção, e atuar também como uma base de adaptação às mudanças climáticas. Para ela, a escola tem um papel fundamental de suprir a carência das crianças em relação à natureza e também disseminar boas práticas relacionadas à adaptação climática. 

“A gente precisa adaptar as cidades às mudanças, porque as mudanças climáticas, elas não vão deixar de acontecer no curto prazo. O calor vai continuar chegando cada vez mais forte, a poluição, as chuvas. A gente precisa pensar em adaptação e as escolas podem estar no centro desse esforço”, ressalta. 

PAFRodas de ConversaVoluntariado

Estudantes de psicologia promovem atividade sobre defensoria pública com as crianças

Crianças aprendendo sobre defensoria públicaSomos estagiários de psicologia e estamos desde o início do ano acompanhando a equipe do Instituto C e pensando, de forma conjunta, ações dentro da brinquedoteca. Uma destas ações era expandir os temas e reflexões vividos nas rodas de conversas com as mães e responsáveis. O espaço de fala e troca também poderia acontecer lá, com atividades e vivências.

Em outubro, o tema discutido foi “Defensoria Pública”. Convidamos as famílias a trazerem suas crianças e, no primeiro dia vieram cinco, entre 6 e 10 anos. Para começar, fizemos uma roda em pé e nos apresentamos falando nossos nomes junto com um gesto. Todos repetiam, como um cumprimento. Dessa forma o grupo todo pareceu se integrar, dizendo seu nome e do outro, reconhecendo ali seu espaço e abrindo espaço para o outro também estar.

¨Naquele momento, não caberia definir o certo e errado, mas sim viver um exercício de reflexão crítica em que todos pudessem caber e somar. As crianças sortearam, ao todo, 5 palavras: dever, cidadão, direito, ajuda e grupo.”

Para aquela ação, preparamos previamente um baralho de palavras que possuíam ligação com o tema (Defensoria Pública) e imagens diversas. Sentamos em roda, espalhamos as imagens no chão e pedimos para uma das crianças sortear uma palavra. O espaço ali era para criarmos sentidos e significados em conjunto a partir da conversa sobre as palavras e a associação com as imagens, e atravessamentos com suas vivências e repertórios. Naquele momento, não caberia definir o certo e errado, mas sim viver um exercício de reflexão crítica em que todos pudessem caber e somar. As crianças sortearam, ao todo, 5 palavras: dever, cidadão, direito, ajuda e grupo.

A palavra dever, segundo as crianças, significava algo que precisaria ser feito. Através das imagens, explicavam que era dever do adulto não brigar com a criança, assim como era dever do adulto levá-las para passear. Uma imagem de tintas e cores representava o dever da criança de ter e fazer artes, e a imagem de pessoas abraçadas significava o dever de todos de receber e dar carinho.

Já com a palavra cidadão, as crianças disseram que era uma pessoa. Fomos perguntando e provocando para entender melhor quem seria essa pessoa.

  • ‘Todos podem ser cidadãos, tooooodos mesmo?’,  indagamos;
  • ‘Sim, mas quem machuca e agride o outro não pode mais ser cidadão’, respondeu uma das crianças. ‘Mas, claro que se a gente perdoasse ele, poderia então voltar a ser cidadão’;

Esse momento gerou uma pausa de reflexão no pequeno grupo. Escolheram então imagens de um grafite em que havia um indígena com cabelos de árvore, outra imagem de olhos, outra de pessoas conversando e uma quarta imagem de pessoas com deficiência.

Interessante perceber como é a concepção das crianças em relação aos conceitos escolhidos por palavras. Traziam os conceitos para o concreto, para o dia a dia, em forma de exemplos e lembranças. Nessa troca, nós não éramos os protagonistas. Nessas semelhanças e diferenças de vivências, as crianças se reconheciam, ajudavam-se e questionavam-se nas falas umas das outras. Isso fez com que a reflexão fluísse de uma maneira mais aprofundada.

Vale lembrar que escolhemos imagens inclusivas, com pessoas com deficiências exercendo atividades diversas, o que percebemos que fez muita parte das escolhas das crianças. Isso nos faz pensar sobre como elas reconhecem aquelas diferentes pessoas em suas rotinas, e como a inclusão faz parte da vivência delas. No chão, ia surgindo um desenho entre imagens e palavras, um mapa de toda aquela discussão.

Em seguida, sortearam a palavra direito. As imagens escolhidas representavam diversas formas de se olhar essa palavra:

  • ‘Essas casas estão desenhadas direito’, trazendo o sentido de ordem, retas, alinhadas;
  • ‘Nessa rua tem dois lados, o direito e o esquerdo’, sendo aqui um lado;
  • ‘A vacina precisa ser dada direito para não doer’, ‘precisa atravessar a rua direito’, ou seja, de maneira correta, jeito certo.

Perguntamos então, sendo direito igual a certo, o que seria certo para as crianças. É direito da criança o que? Como se fosse uma voz só, todas disseram: “Brincar”. Histórias de casa e de família foram surgindo. E, antes de perguntarmos, já começavam a compartilhar: havia o direito a comida, a casa, e também a poder andar de cadeira de roda.

  • ‘A pessoa tem direito de andar de cadeira de rodas?’, perguntamos;
  • ‘Sim;’ 
  • ‘Mas, e se eu construo uma rua em que você não consegue passar com a sua cadeira. Eu tô atrapalhando o seu direito?’
  • ‘Acho que não;’

Mas, neste momento sua amiga questionou:

  • ‘Ai amiga, você já não consegue nem andar, já está de cadeira de rodas e aí você não consegue passar na rua? Não pode atrapalhar a cadeira de rodas. É direito; 

Montamos novamente um mural no chão.

Então sortearam a palavra ajuda. As crianças separaram imagens. Compartilhavam que era importante ajudar quem precisa andar com a cadeira de rodas, e também ajudar as pessoas que estavam tristes a se sentirem melhor. Ajudar era cuidar.

  • ‘Como poderíamos fazer isso?’;

Foram dando exemplos de piadas, falas e acolhimentos que usavam no dia a dia para ajudar as pessoas se sentirem felizes e melhores.

Por fim, sorteamos a palavra grupo. A reflexão foi sobre como poderia ser um conjunto de pessoas, que se conheciam ou não. Seus integrantes poderiam ser diferentes. Este grupo poderia ter animais. Além disso, “a família também poderia ser um grupo”.

Percebemos que, aos poucos, as palavras sorteadas passaram a se misturar, e  aquele mapa no chão, cada vez maior, não criava divisões, mas sim um emaranhado de sentidos que conversavam e se complementavam.

Olhamos juntos aos mapas mentais, admirando o tamanho de nossa conversa, satisfeitos com aquela reflexão tão concreta ali ao nosso lado. O convite, por fim, era de sermos multiplicadores desses conhecimentos. Através de uma colagem – com revistas e cartolinas – escolherem palavras que tenham lhes atravessado e organizar seus próprios mapas mentais. As palavras escolhidas foram ajuda e grupo.

Aquele momento não era de esgotar a discussão, mas sim deixar a porta aberta e escancarada para que esses temas pudessem se esparramar, transbordar e reverberar no grupo, nos seus espaços, amigos e familiares!

* Texto escrito por Zoé Coin e Rafael Martinelli, estagiários do 10º e 9º semestre de psicologia da Universidade UNIP – Universidade Paulista.

Saiba mais sobre defensoria pública.